A serenidade não è feita
de troça nem de narcisismo
è conhecimento supremo e
amor afirmação da realidade
atenção desperta junto à borda
dos grandes fundos e todos os
abismos ;
è uma virtude dos santos
e dos cavaleiros e cresce
com a idade e aproximação
da morte è o segredo da
beleza e a verdadeira
substância de toda
a arte o poeta que
celebra na dança
dos seus versos
as magnificências
e os terrores da vida
o músico que lhes dà
os tons de uma pura
presença trazem - nos
a luz aumentam a alegria
e a clareza
o amor è um substantivo
abstracto algo nebuloso
e no entanto o amor
acaba por ser a única
parte de nòs que è
sólida a medida que
o mundo fica de cabeça
para baixo e os cenários
A vida de cada ser humano
è um caminho para si mesmo
o ensaio de um caminho o esboço
de uma vereda .
Sentimentos
não digas de nenhum sentimento
que è pequeno ou indigno
não vivemos de outra coisa
que dos nossos pobres
formosos e magníficos
sentimentos e contra
cada um que cometemos
uma injustiça è uma estrela
que apagamos .
Entre um ser humano e o outro ser
há barreiras que nunca se transpõem .
Sò sabemos seguramente de uma
amizade ou de um amor : o que
temos pelos outros .
De que os outros nos amem
nunca poderemos estar certos .
E por isso talvez que a grande
amizade e um grande amor
são aqueles que se dão sem
se pedir que fazem e não
esperam ser feitos ; que
são sempre a voz activa ,
não passiva .
Sò depois de te
beijar
uma criança
te pede
um beijo
para distinguir
a inocência
do desejo
ROSTO
nòs os de rosto demorado
como dos velhos nòs com
o peso de um deus amordaçado
sobre os ombros nòs que olhamos
as coisas e as choramos e que
somos semelhantes a uma promessa
perdida não dobraremos perante a
mais pequena pressa ,
AGUARELA
Sã mulher
Linda inocente
Criança leve
Não se oferece
Uma flor vã
A flor que và
dà - se - lhe mão
à terra seca para
semente regar
bravias raìzes únicas
a uma mulher
À beira rio uma criança
estava num jardim a separar
as pombas dos melros por
causa do milho a cair sob
o olhar atento das gaivotas
e o silêncio rente das andorinhas
no meio das folhas irrequietas
das árvores a criança agarrou
um papel com palavras e imagens
que a meio do vento me fugiu das
mãos
a criança pediu - me que eu fizesse
daquela página solta um avião ou
um barco , disse - lhe ; faz tu , eu
sò ajudo não sei voar , nem navegar
a criança começou a sonhar com
habilidade e imaginação
o coração começou - se a abrir
como uma cor e a cabeça fechou
- se como uma concha , no fim
da história apareceu a mãe a dizer
à criança não estragues o poema
que è desse senhor , respondi - lhe ;
foi o seu filho que me ensinou
a voar e a navegar por um instante ,
foi ar que se nos deu , não pertencem
a ninguém , acaso , vivacidade , sei
là , arte , não tem dono , anda por aì ,
ainda bem , amen .
Sopro fino de vento
a rigor levando areia
ao rosto hirto
Um deserto húmido
no olhar
um dedo apontado ao mito
a beleza do silêncio no grito
cada ilha um livro um filho
parido hábil febre a mar
dedos de marfim por escrito
passo a passo a màgoa barco
a pele tecida a mãe
a mão ao leme carícia forte
o instinto para a revolução
de dar a um coral um nome
( là terão caule e cal tão secretas razões )
não deixa cinza para deitar sobre as ilhas
mas luz apenas luz por onde podemos
andar a entrar e sair de pátios fechados
sobre si abertos às casas causas que a
pedra a palavra
Sílaba sobre a raiz o seu mundo
constrói e sem medo por dentro
da nossa paz fugaz abre a liberdade
aos templos sem orações dos deuses
faz homens das musas mulheres de
templos apenas um lugar onde o
tempo devagar põe na natureza
um amor fugaz .
A cabeça ficava marcada
invisível , mas quando
me deitava de costas na
escuridão , sentia uma
queimadura na têmporas ,
a crosta a ferver por baixo ,
da nuca a testa interpretava - a
como uma cicatriz que me
acompanharia atè a morte ,
o emblema de guerra assombrosa
de que jà esquecera os pormenores
e o sentido
estava ali , ficava ali para sempre ,
confundia - se inson - davelmente
com o destino no entanto
essa marca garantia que eu
era livre , que fundava nela
( ... )
o meu destino seria dai em
diante irreduzível , não
me sujeitava a nenhuma
regra ( ... ) porque o
prestigio da poesia
è menos ela não
acabar do que
propriamente
começar ( ... )
vivemos
demonia camente
toda a nossa inocência