sexta-feira, 26 de fevereiro de 2021

Manhã Submersa


 Manhã  submersa  do teu olhar

foi por ti que lhe dei o perfume

por ti rasguei ribeiros e dei

as romãs a cor do lume


Foi por ti que pus no céu 

a lua e o verde o mais verde

nos pinhais

Foi  por ti que deitei no chão

um corpo aberto como os animais

sábado, 20 de fevereiro de 2021

Cancioneiro

Se  vens  à minha procura

eu  aqui estou toma - me  noite

sem sombra  de amargura consciente

do que dou  nimba - te de mim e do

luar disperso  em ti serei mais teu

e deixa - me derramado no olhar de 

quem já me esqueceu


deixo  meu corpo  a dor  da ausência

fica mais pequena

quando vejo o meu destino ordena

que por me experimentar de vòs me

aparte


que a mesma culpa fica  grave pena

o duro desfavor que me condena

quando  pela memória te reparte endurecer

 os sentidos  de tal arte que a dor da ausência

fica mais pequena 

mas como pode ser que a mudança daquilo

que mais quero este  tão fora de me não apartar

tambèm da vida ?


eu refrearei tão áspera esquivança   porque

mais sentirei partir senhora sem sentir muita

pena   da partida
 

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2021

o teu rosto a tua voz o teu pensamento



 sem o teu rosto sem o teu nome

sem a tua voz sem o teu 
pensamento tudo se apaga

numa noite funda sem estrelas
ainda  procuro uma saída um
apoio 

clareia a manhã arredonda - se
a lua ronca um avião por  entre
as nuvens

um telefone toca um cão ladra

no teu quarto  a persiana  está
fechada talvez volte em sonho

acordar


 

onde esperar o sol

para te saudar primeiro

sò muros e persianas

passos apressados

vozes


um tombo no elevador

è uma toca o quarto

não tem ruas è um

mundo no roupeiro

um espelho onde 

a espera muda

entristecida uma

velha um sangue

de impaciência 

talvez te diga que nuca parti


 talvez te diga que voltei

que nunca parti

estava algo cansado

um pouco afastei - me

à beira de um lago incluso

entre ervas

saí do tempo deixei

a tua cara


talvez apenas isto

seja depois

na onda crispa

desceu  uma gaivota

promessas


 quem foi que me disse

foi uma promessa 


depois vem a alegria

leve ilimitada

agora o que se vê


è sò um ponto de bruma

multidões de larvas


no fundo de um abismo

tenho de partir


 

tenho de partir mas não sei

para  onde

sò sei que tenho de partir

tenho medo  mas tenho

de partir diz - me tu

por favor diz - me

mas sou deixado

a partir  nada 

me espera porém

tenho de ir


voo raso


 

quis num compasso de espera

erguer a manhã à altura

sonâmbulo dos meus

sonhos


foi como quem  apanha insónias

num campo de girassòis  despentear -

- lhe os cabelos de menina

ainda lua já mulher

o renascer da chama acesa


 o renascer aceso da chama

como se tornar a noite clara

fosse uma questão de palavras

acesas  no amor eu sou a página

em branco em que tu escreves 

e soletras palavras ao meu coração

silaba  a silaba vindas do teu coração

è preciso voar para se  viver  verdadeiramente

intensamente o amor

perdido no eterno mar do ser

 


quero  beijar o horizonte

abraçar a paisagem e ver

a luz  do dia que escurece

ser  a bùssula  perdida

no eterno mar do ser


quero ser a luz do sol

que na alvorada se acende


acordaste  todos os astros

em mim e eu voltei a 

viver


quero encontrar um antìdote 

o  veneno  do teu sabor

nas minhas veias


como se o mármore fosse

capaz de ser quebrado

com o meu punho fechado


como se o muge irrompesse

numa ele limpa

sinto - me perdido


 sinto - me perdido no sonho

sinto - me perdido  no tempo


um dia tudo mudou

o sonho desiludiu


quando a sua sombra fugiu

num sentimento de abandono

numa viagem sem retorno

um dia tudo mudou

o teu olhar è suave


 o teu olhar è suave como

a brisa do mar


sinto a tua beleza atravessar - me

um sonho nas entranhas do meu

espírito inócuo branco


uma transparecia talvez

uma pureza


através da cólera do tempo

onde me perco na fantasia

do cheiro da  maresia das

ondas que rebentam das

gaivotas 

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2021

nos teus olhos a maresia na curva do poema


 

invento  um imenso lugar de regressos

nestas mãos que se agarram os dias

como uma paisagem frágil


de  papoilas


a maresia  na curva de um poema

os contornos opacos do vento no 

ultimo acorde de  um cello

o retorno a impaciente  ternura

dos teus olhos


e nessa geografia de invisíveis   

amplitudes abre - se um par de

asas


um quebranto de tempo  

Mendigo


 


na rua não dou a quem

pede o que pede

sò dou a forma como

pede


no amor sò dou o que o amor

me pede

não dou à  forma

como pede


e  à vida peço  me dè leve

aquilo que ninguém pede 

o sol não se põe


 

o sol não se põe os homens

è que o afagam em vão


cada coisa uma sò voz


a morte vem para sempre

a vida sò vem  uma vez


mudem os ventos

as searas do Van Gogh

e verão


sò a cor arde nos campos

amarelos  intactos

vermelhos infinitos


vertente ou vontade

virtude ou variante

violência ou vaidade

a arte nunca se repete

cresço novo


 

meu amor em sangue

          cresço novo

morro vivo


sò  o silêncio è sagrado

violentíssimo


ágil e antigo nada mais forte

nada mais  inocente

que manter e sentir o anonimato


no pleno exercício do amor denso


o ècran  duro da cal

o sem abrigo o rouxinol

o assustares o pardal


sò cà vim ver o sol

o amor è politico


 

o teu colo è coeso a tua hábil firme

longa lenta mão acariciando

o fogo do violino


sò cà vim ver o sol

o amor è politico 


não è nada contigo

não è nada comigo


o olhar aceso  de um menino 

enorme a descobrir o mundo


amo quando sem quereres

me proteges do medo

um caule explode


escreves uma árvore plantas

um filho


as gaivotas são gavetas


 

adormeci de cabeça

traída

e acordei com o coração

màgoado


sò há uma palavra 

luminosa


que se deixa em silêncio

o grito


no outono o vento varre

as páginas

aos pès de um livro 


as gaivotas são gavetas

de abrir e fechar

amar


 

o amor è passar a vida inteira

a amar- te

do outro lado

do mundo


e cara a cara

jà não ter força

para dizer

            amo - te

lua


 

as vezes trocamos de lágrimas risinhos

o teu corpo está húmido o meu seco


livres e dados largamo - nos  saciados

as  mãos  coladas  ao rosto 


no amor não se diz isso sò se faz ao amor

uma molha a alegria iluminada que vem de 

dentro a galope  à solta e se a lìngua  do cavalo

a crina do anjo nos sacode  alada a vida ao outro

lado


outras vezes a luz interior pega fogo

a voz do estado de fùria  pele medo

e lençol


trocamos de amor com razão verdejante

enquanto o mundo não muda nada là fora

mas a terra a simplicidade e a ternura nova

nos lambem com virulência a realidade


sò calor humildade e ar


  foi assim que a minha cabeça se abriu

e  o meu corpo aprendeu a  flutuar


sò quero o teu bem minha querida

amiga invisível mas atenta


as minhas mãos são iguais

as minhas pernas são apenas

árvores


os pès raìzes   

os poemas de amor já foram escritos

ditos e escondidos excepto um

o da proporção amar e ser amado


na lâmina do mundo inteiro

mulher homem criança

animal etc ... pelo que lhe

desejo a mesma febre

que sinto


este rosto não tem mascara

sò calor e humildade


o texto não quer unidade

sò calor e humildade


ar de uma fala para um fôlego 

já è diferente

tudo o que eu parir posso matar

estou a espera de um livro


não confundo plenitude com

literatura e falar de arte para o

 umbigo não faz muito o meu 

gènero


suspeita sem ferir


 

sò se fala de amor quando as feridas

estão abertas ou quando a morte

se  aproxima


alternadamente são o medo

e a  luz do dia a ensinarmos


esse caminho a cada  instante

a voz desprende - se de ti

abriga - se  num poema


jà não è tua  ao mundo

pertence ignorado

as crianças


 

as crianças  adoecem no inverno

tossem de noite


morres por elas

nesse momento


em que elas precisam de ti

vigias  o seu sono


entregas o teu despertar

com facilidade

 olhas uma a uma as horas

que passam como se todas as

 crianças nascessem no inverno


o que vedes aì no alto


 

encontram  Deus errando  além tempo

na concha praga vazia do nada


vòs não o podeis ver

tornaste vos cegos por causa

do ruído do clarão 


a corrida contra a vossa  vida

porque estais tão apressados

avançais para o túmulo

neste preciso lugar


 neste lugar exacto onde os pianos

se silenciam onde os nossos nomes

se aliam as feridas da infância inacabada


transgredindo os interditos

toco - lhes e eles retinam


acordam o passado

sem passado silencios

separam - nos

silencios recobrem a voz

 daqueles que jà cà não estão

Brisa


 

já não faço amor

sò amo


sò o amor une

grande a independência

a liberdade


não ler

è como ter vergonha

de perguntar

          amas - me ?


há uma razão do sémen

para os poetas se repetirem

os homens não os ouvirem

não ler

è como ir ver o mar

e não olhar para o mar 

Palavra


 

a  paz  lavra - se 

paz se  a palavra

unidade harmonia

fio condutor

linha contínua


corpo virtual

confundir foder

com amor real

 ou cobarde

dizer bem de

è redundante

mal è irrelevante


ignorar uma táctica

suja   muito perigosa

espiã  ou cobarde

atraiçoa a arte


sublinha a cobiça

que leva a medíocre

ao limite da loucura


a paz limpa - se

lava - se a palavra

sobrevive a chama

se colhida livre

por qualquer alma

no instante da tua

Ampulheta



 certas metáforas começaram a fruir  reais

as coisas têm que ser de quem as estima 

não de quem as possui


o coração sò flui se  ser bom for um dever

bonito um direito


mesmo que não gostes de mim tempo

hei - de ser o teu melhor amigo


a história sempre te traiu

mentiu

e tu sábio sempre a corrigiste

com elegância e compreensão  


preciosa


 

de pedras preciosas não  precisa  ela tem uma pérola

que não se precipita  que me dà pede todo e não diz

tudo ou nada  nem sonha nem avisa


tem um anel de estrelas

sò interessa  às invejas

e o cometa


 que importa è a forma 

como a mão dela

ou minha passam uma

ténue pela outra

ou então pela força


ela não tem pescoço 

mas um cálice que ergue

uma taça de luz à raiz ela

nunca se garça


ela sabe que sou dela

se tiver a vontade felina

de ser  às vezes minha


Tempo


 

uma  ternura antiga

a verter horas novas

pode impedir à pressa


o relógio de caixa alta

de bater as lágrimas


uma a uma as gotas

a tempo mas incertas


o correr das teclas

o irritar das balas


o longo percurso

que se chama


à nossa voz

te termos causas

e proteger as casas 

tear o pano


 

já não escrevo bordo o papel

cavalinho è pano

sò na  renda viva dos teus

dedos


as palavras  fogem

alinham o carinho

um o piano


por isso os teus  beijos

nas minhas pálpebras

para engomar silêncio


para fumegar armas

cortar caminho


desatar os medos

abrir - me os olhos

e rasgar o linho

no fim do verão


 no fim do verão as crianças voltam

correm no molhe correm ao vento

tive medo que não voltassem


porque as crianças as vezes

não regressam


não se sabe bem porquê

mas elas tambèm morrem


elas  frutos solares

romãs laranjas  dióspiros

sumarentas no outono


a que vive dentro de mim

tambèm voltou

continua  a correr nos meus

dias


sinto   os seus pequenos olhos

a brilhar como pregos cromados


sinto os seus dedos a cantar com

a chuva


a criança  voltou corre no vento

livres e aniquilados


 agora  deslizo como tudo è  suavemente

desesperante  e sem remédio


là em baixo  pescadores anónimos

de noites sem fim


esperam talvez por um tempo

impossível em que os peixes

 todos do mundo


cobertos de lodo e ânsia

como os poetas


saltarão dos seus aquários

enfim livres  da sua prisão


enfim livres e aniquilados


simplicidade


 

tanta coisa quotidiana  tão simples

e transparente

como este pequeno coração

palpitante de  ilusão


despido  ainda de todos os véus

por certo nada encontrarei tão belo

como esta hora tu e eu


mas sigamos nossos imprevisíveis

caminhos aqui um momento  cruzados


e  quem sabe  ?

momento


 

pudesse  eu parar este momento

eternizar este segundo que

jamais voltará ...


ah  ....  tivesse eu parado o tempo

quando o adolescente que eu era


tambèm  sentiu o seu coração

descuidado  arfar de felicidade


tivesse o pequeníssimo peixe

saltado do seu aquário 

velozmente


 

vou  firme nas rédeas deslizo

veloz mente


tanta luta tanta coisa mesquinha

tanta baixeza e desespero tanto ...


que as vezes o peixe salta

do seu aquário

e tanta coisa simples

como este amor que

sinto por ti 

plenamente desperto


 


voemos  sobre a terra     voemos sobre  tanta

grandeza malograda   

voemos na brisa  deste momento


a meu lado voa minha sombra companheira

 inseparável e silenciosa das alegrias e  

angústias quotidianas



là em baixo o rio e os barcos os peixes

e os que a linha julga poder liberta - los


adeus meu amor !

      adeus !|

terça-feira, 9 de fevereiro de 2021

carregando nus o barco da aurora


 

voltaremos  meu amor carregando nuvens

na aurora


corremos na relva na areia

no orvalho


seremos a estrada

a poeira o girassol

a seara o horizonte


a linguagem surda

dos peixes


crianças deslumbradas

despenteando à beira rio os cabelos

do sol


viajando no  silêncio abrindo águas

e em nòs confundindo  face e imagem

flor e fruto


crianças  nuas

                      meu amor

carregando  nus 

                     nos braços

nos ombros os barcos da aurora

carregando nos braços nos ombros os barco da aurora


 

voltaremos um dia meu amor

carregando as  nuvens na aurora


corremos  na relva na areia

no orvalho


seremos

             a estrada a poeira o girassol

a seara  o horizonte a linguagem surda

dos peixes


crianças deslumbradas despenteando

os cabelos do sol  a beira rio 


viajando no silêncio abrindo as águas

e em rios


e em nòs confundindo face e imagem

flor e fruto


crianças nuas meu amor

carregando nos braços nos ombros

os barcos da aurora 

nasci


                                                                                                                                             a  Ana Pereira


nasci num país pequeno onde o aspecto

è mais importante que a alma


onde o que tu ès  depende do que possuís

e não do coração que bate dentro de ti


recebo de braços abertos o toque

dos que aconchegam o seu coração

ao meu

sinto  a pureza de uma alma

sem precisar de ver a sua cor

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2021

em teu rosto


 

se è somente em teu rosto que verei

nascer um dia  a madrugada

por que será que nunca  te direi

palavras que guardo para   ti


contigo sou capaz de falar do tempo

das aves  de qualquer coisa inútil 

de tubo  menos  de amor  


corre estrela gloriosamente


 sò de te ver desfaleço  te possuirei para além

dos seios  e da carne tão macia dos teus

braços


para além das pálpebras onde dormem a noite

e a luz todo o prestígio da fascinação

para além do sexo  e dos mistérios que nele

me escondes


em ti começou o tempo não há como conta - lo

senão nos teus braços

em ti acabará um dia mas então tudo terá findado

na espessura da noite próximas

corre ò estrela gloriosa brilha antes que para sempre

nos espaços te afundes

confins da oceânica noite


 


que navio irrompe do teu seu sexo

vindo dos confins da oceânica  noite

com marinheiros de todas as raças

trepados nos mastros


que súbita aurora deflagra


a nossa volta que gritos de revolta

dor e triunfo se desfraldam  no ar

surpreendidos 


eia ... è o teu filho que chega


são as mais poderosas forças 

do universo

abrindo entre sangue e dor


a sua torrente indomável

è a primavera que canta nos nossos 

troncos  

meus olhos


                                                                                                                                              a  Ana Pereira


os meus olhos de  ontem não são

os mesmos olhos de hoje

um mundo  morre e outro mundo

nasce


clara brava  companheira

que jamais temeste  precipícios

ou sombras


là no fundo dos teus mares que

pequeníssimas mãos se agitam ?

em cada dia


                                                                                                                                        a  Ana Pereira


em cada dia morre um homem em mim

em cada dia nasce um homem em mim

sò o itinerário è o mesmo e isso decerto

basta


e eu tenho saudades dos homens que fui

e anseio e espero os homens que serei


dia após dia eu me renasço 

sigo  em frente