Antes de Ti o Vácuo , a Desolação as não existència
ANTES DE TI O VÁCUO , A DESOLAÇÃO
A NÁO EXISTÊNCIA .
( Não exagero , querida , falo - te
quase sem palavras , sepultado
no silêncio e na treva deste cárcere ;
e canto nossa humana condição ) .
Em ti existo , em ti me encontro ,
em ti espero , hoje como ontem
e amanhã , inexoravelmente .
Rebenta , ò árvore abandonada
no inverno do áspero caminho !
Canta , ``o ave intranquila do paul ,
teu sonho de planície !
Tu ès o tempo , amor ; em ti a minha
inteira condição , minha miséria e grandeza .
minha humanidade plena , em ti minha dignidade .
Ò sopro , ò renovação incessante , pura e veemente
como o aço , a raiva a doçura do nosso desejo !
Em ti a suavidade , a força , a medida exacta ,
a palavra uma vez dita !
Em ti a Arquitectura perfeita , a musica
perfeita , a harmonia das cores e dos volumes :
em ti a poesia , a fecundidade .
Dadiva
DADIVA
Se è somente em teu rosto que verei
nascer um dia a madrugada , porque serà
que nunca te direi as palavras que precisamente
guardo para ti ? Contigo sò sou capaz de falar
do tempo , das aves , de qualquer coisa inútil ,de tudo , menos de amor .
E nada te peço , e nada te ofereço senão esta casa iluminada , este navio no mar .
AVE SOLAR
È nas trevas e no silêncio destes tempos
que colho estas pequena , oculta semente ,
seara verde , girassol de outro incriado
ainda mas jà visível e presentes
là onde mais puros somos queridos .
O que nos leva è indestrutível , esta semente colhia
junto aos nossos mortos , nas batalhas caídos ; colhi - a ,
querida , nos cárceres e nas aculèos .
E verás um dia , querida , como è fecunda
e maravilhosa ;
nela dormem os navios , os mares , os
homens coroados de espigas : nela abre as
asas a ave solar a sua esperança .
Por isso a guardo onde nem os horrores
nem as chamas dos nossos infernos
o poderão destruir ; è a pureza
dos teus seios incompatíveis
amamentando esta criança , que
tranquilamente a semeio .
A teu lado
A teu lado , amor
não há muros , silêncio , morte .
Por cada espinho de aço cravado
em nossa carne , hà um rio de sangue
e primavera .
Por cada bofetada , ,
um sorriso de criança
Por cada insulto ,
por cada punhalada ,
uma seara , uma estrela , uma cidade
INSCRIÇÃO
Àqueles que para te vencer pulverizaram
a tua carne o teu último reduto grita - lhes que o
centro do último átomo resistes esperas a primavera .
DOMINGO
A MINHA MÃE
Deslizo no asfalto sob o sol da manhã .
Là em baixo o rio è uma cobra imensa
de água : cheios de sonho e ansiedade ,
esquecidos e serenos , os pescadores
de domingo e estão atentos e pacientemente
esperam que do lodo surjam os peixes impossíveis .
Deixai - me na paz desta manhã tão clara , com os trigos
a rebentar da terra e aquela água dando de mamar
ao seu potro inquieto e sedento de uma vida plena ,
verdadeiramente plena , sem análise , sem tortura :
ela mesmo , incessantemente humilhada e triunfante .
Por isso , estes torcidos galhos , onde de novo rebentam
as folhas e flores , raspam - me de leve os cabelos e suavemente
( poderosamente ) dizem aos homens atònitos que no asfalto deslizam :
Bom dia !
Um sardão de ventre azul dorme ao sol na berma da estrada :
Bom dia !
Deslizo no asfalto : deixai - me nesta paz , ah , que ninguém
me roube este momento ! Bem que há gritos e sofrimentos
em toda a parte : ah , por um momento sò !
ou seja o rodar apenas da minha bicicleta .
Roda , bicicleta , roda debaixo dos dardos de ouro
deste sol erguido a toda a minha grandeza e miséria ,
complemento - me , O que fiz ? Onde o que ambicionei ?
Quase sem vigor a árvore cresce num solo ingrato
em seus torcidos galhos
já não possam as aves .
Vamos minha bicicleta , voemos
por entre tanta grandeza malograda ,
voemos na brisa deste momento .
A meu lado voa a minha sombra ,
companheira inseparável e silenciosa
das alegrias e angústia silenciosa .
Là em baixo o rio e os barcos , là em baixo os peixes
e os que a linha , julgam poder liberta - los
Adeus amigos !
Olhai como o sol esplendece nos rails da minha bicicleta ,
e como esta aragem è perfumada , Deslizo veloz mente no asfalto
deslizo , ergo - me no tempo , plenamente desperto no sonho , vou firme
nas rédeas .
Tanta coisa mesquinha , tanta baixeza e tanto desespero
que as vezes os peixes saltam do seu aquadrilho .
E tanta coisa quotidiana simples
como esta rapariguinha pondo uma flor
nos seus cabelos cor de palha ,
Tanta coisa simples e transparente como este pequenino coração
palpitante de ilusões ! Despido de todos véus .
Boa sorte , rapariguinha ! Na vida , por certo , nada encontrarás
de tão belo como esta hora ; eu e tu ; mas sigamos nossos
imprevisíveis caminhos aqui um momento cruzados , e quem
sabe ?
Pudesse eu parar - te este momento , eternizar - te este segundo
que não mais voltará ! Ah , tivesse o tempo parado
quando o adolescente que eu era sentiu também o seu descuidado coração
arfar de felicidade ! tivesse o pequenino peixe transparente
saltado a menos do seu aquário !
Agora , a deslizar na minha bicicleta , como tudo è suave ,
como tudo è suavemente desesperado e sem remédio !
Là em baixo , anónimos esquecidos , os pescadores de domingo
esperam talvez por um tempo impossível em que os peixes todos
do mundo cobertos de lodo e ânsia como o poeta , saltarão do seu
aquário , enfim livres da sua prisão de cristal , enfim livres e aniquilados !
VERSOS NOMES
No chumbo , no terror , na morte , com sangue escrevo ,
Alfredo e Catarina ,
vossos nomes .
Na pedra , no ácido , neste muro branco escrevo
Humberto e Miltão ,
vossos nomes .
Nas trevas , no medo , na raiz da aurora , escrevo ,
Maria e Lourenço ,
vossos nomes .
No sonho , nos ventos , na flor do trigo escrevo ,
Álvaro e Rui ,
vossos nomes ,
No amor na cólera , na fome desta ave escrevo ,
Virgínia e António ,
vossos nomes .
No sol que levamos , na verde esperança escrevo ,
Paula e Diniz ,
vossos nomes .
No riso , nas lágrimas , no coração da pedra
escrevo e semeio
vossos nomes .
No ventre em flor da minha amada semeio , escrevo
e multiplico
vossos nomes ..
NO SILÊNCIO
No silêncio
construamos , amor
nossa morada .
Na pedra , na água , no relâmpago ,
no canto desta ave ,,
Na angústia , no sangue , na morte e na vida ,
na esperança em flor
desta seara .
Nos ares , nos céus , nas mais impuras palavras ,
na sede , na fome ,
nesta baioneta ,
nesta espingarda .
Na chuva e no vento , na relva , na manhã
que nasce com este menino ,
No sol e nas florestas , nas nuvens , nos rios e na inocência
deste peixe ,
deste insecto .
Neste frio e no fogo , no amor e na ansiedade , no voo
deste pombo branco .
No silêncio , meu amor ,
no silêncio
e no terror
com um abutre de raiva
entre os dentes .
Com um pombo branco
no coração .
CANÇÃO
Na fome verde desta seara roxa
passeava sorridente Catarina .
Na fome verde das searas roxas
ai a papoila cresceu nas campinas !
Na fome roxa das searas negras
que levas , Catarina , em tua fonte ?
Na fome roxa das searas negras
ai devoravam corvos o horizonte !
Na fome negra das searas rubras
ai da papoila , ai de Catarina !
Na fome negra das searas rubras
trinta balas gritaram na campina .
Trinta balas
te mataram a fome , Catarina .
VIAJA - ME
Pura ou impura
pouco importa isso
simplesmente humana
súbita árvore
de seios desejos
de angustia coberta
de insultos raiva
a cada instante
mores renasces
voo
Com o teu olhar
punhal acerado
cravado no vento
da nossa loucura
com tuas pequenas
sedosas mãos
esmagando insectos
flores venenosas
com teus lábios
ardentes de febre
colado aos lábios
frios da morte
caminhos relâmpago
nas trevas .
Ignorante sábia
de que te busco
louco e cego
espermatozóide
viajando rápido
os secretos caminhos
uma vez mais .
A cada instante
morres renasces
no sangue na voz
no desespero
com que te chamo
e me respondes
ignorante sábia
visível secreta
pura impura
abres - te dâs - me
os infernos os céus
e virgem me dizes
Viaja - me relâmpago
uma vez mais
O POETA
Seara e nuvem , barco e melodia
no coração das feras e das aves ,
trazes a aurora em tuas mãos suaves
abrindo a noite , barco e melodia
Lírio solar , estrada e cotovia
jamais sonhada pelas próprias
aves , a morte e a vida , a porta e as chaves em ti se confunde e anuncia .
Sonharam - te os abismos e os morcegos volvem se em arcanjos e vêm , cegos quando os fitas , pousar na tua mão . Sò em ti a beleza encontra forma - Cantas ? e logo a noite se transforma no dia que levava a criação A CRISÀLIDA Não te perguntei se alguma vez esperaste minhas palavras , meu navio , este vento ardente . Reclino o meu rosto na madrugada que nasce incendiada em teus olhos quando me fitas e na dor e no silêncio , as malhas teço com que me sepulto . Por quê tanto muro , tão espantosas muralhas a separar - nos ? Na vida , na morte , onde eu estiver estarás comigo , e o resto não será mais , verás , que maravilhoso bicho esperando a ( primavera ? ) em seu casulo . Três sonetos Esquecerás , amor , a minha face , meu cavalo de fogo , meu navio , e arderás no lume que perpasse na angústia sepultada de cada rio ? Ver - te - ei louca e pura , dizer : « Dà - se um cavalo de fogo e um navio a quem me recordar a sua face » - mas não mas me acharás no longo do rio ? Estrada sem memória no areal , frase uma vez dita , ou bem ou mal , em mim a porta em ti a chave. Toma - a ... E abre ou fecha a porta ardente de vez ... quero saber se esta semente ainda será vento , flor ou ave ! Um viver que è morrer a cada hora , angústia que è prazer , surda harmonia , todo o bem , todo o mal , dor , alegria , abutre a pomba , luz que me devora . Prisão donde não quero ir embora , jardim de vidro negro , claro dia , cavalo de fogo , ácido agonia , os infernos , os céus , barco na aurora . Aqui somente a sede ardente e a fonte para mata - la , aqui céus , horizonte e voo a fuga , a súbita viagem . NÃO CONHEÇO , NÃO SEI DE OUTRO PAÍS . Ò meu amor , feliz ou infeliz , por que me escondes minha própria imagem ? Aquele por quem chamas noite e dia , com o teu sangue , tua voz e a voz do vento , prisioneiro em seu próprio sofrimento neste poço de carne e agonia . aquele que tacteando busca o dia de teu rosto chegando , flor no tempo , e transforma seu áspero tormento num cântico de amor e alegria ; e cego ,surdo e mudo assim proclama o seu amor , seu voo , a viva chama que irrompe a cada sílaba que dizes : vê - los - às , meu amor , enfim voltar antes que chegue o fim , sùbito mar coroado de sol e raízes VELOZES VELOZES Na noite assombrada de ver - nos passar Velozes velozes Voamos ? Fugíamos ? Onde o que fomos ? Mãos no volante a estrada fende - se em nàcar e luz voando connosco Velozes velozes Onde a cidade ? Onde o néon a fingir de sol e os deuses de autoclismo O massacre legal de nossa pureza a monstruosa face de aço construída e fome autêntica de peixes e anjos ? Velozes velozes Voa Austin voa com o teu verde cavalo de clinas em fogo na treva arroja - te e connosco transpõe sùbito o abismo E velozes velozes fitando deslumbrados o sucedâneo dum outro paraíso éramos dois peixes éramos dois anjos HERANÇA Que rosa vermelha entre loureiro há ressuscitado ? A pè , companheiros , que os mortos estão de pè ao nosso lado . Roxos de fome , angústia , sede e morte na solidão : nada nos importe senão a aurora que levamos no coração Que nos arranquem lìngua , veias , olhos , nervos , a pele que reste . Não è de servos o relâmpago espantoso que nos veste ! ALADO ROSTO Eis a estrada o rio a noite a aurora o vórtice negro a corola de sangue e a madrugada Caminho há dois milhões de anos sou eu próprio o mar e navio Atravesso lado a lado montanhas planícies insaciável viajo na fome no lume que me devora sobre os ombros sangrentos abrem - se meus dois rostos na única cabeça o alado emerge simétrico feroz sua contradição inimigo e irmão devorando - se renascendo anjos e demónios caminho a dois milhões de anos oh glória oh destino busco a alvorada as faldas da manhã viajo na fome no lume que me devora OS COMPANHEIROS NA MANHÃ Na manhã de maio , duas andorinhas esvoaçam por cima dos eléctricos , logo se perdem no azul , logo regressam a beijar os fios telefónicos Chilrem alegremente no coração dos homens apressados demais para as verem , silenciosos e ardentes cantam no coração da manhã . Choveu ao amanhecer , o asfalto è um espelho sob os dardos do sol , um menino passa com um balão colorido ao lado de sua mãe . Submersa na manhã , viajam flores rebites , palavras e cobertas de fome e solidão viajam na manhã , ardentes e nuas , as mulheres todas elas prometendo , puras ou degredadas , a renovação dos céus dos infernos , o sùbito desencadear da criação ! DENISE Tem mil rostos como o Poeta , e ao sorrir - lhe , ao erguer -* se da mais secreta e remota treva para sorrir - lhe , Denise è a outra metade da realidade , a outra metade do sonho , o barco e a viagem . A moça dos óculos verdes e saia rodada passou entre as mesas , depois sentou - se , traçou a perna e lançou - me um punhal de labaredas . Oh a pura imagem do barco , a súbita face da viagem ! Insólita , uma voz quebrou a ardente teia maravilhosa ; perguntava : - Café ? - Sim , um café . E abri o jornal .
CONTINUAM AS EXPLOSÕES NUCLEARES INGLESAS REPRESSÃO DAS ACTIVIDADES SUBVERSIVAS NA JORDÂNIA CAMPEONATO INTERNACIONAL DAS RÃES SALTADORAS CRISE MINISTERIAL FRANCESA LINDBERG ATRAVESSOU O ATLÂNTICO A UM SÈCULO Solitário e insole escrevo um poema de esperança Minha amada ri com o seu ar de bonançoso , com todo o teu corpo mole de uma grande menina e o seu sorriso è franco e claro como o sol da manhã . Ri , simples e natural como uma adolescente por isso seus versos de esperança vem carregado de solidão , insónia e áspero espinho . A poesia esta desperta , amigos ! Viaja nos fios , nos pacotes proibidos , viaja na fome , no desespero , na vingança , atravessa ares e mares , vara lès a lês a cerração . Ah , como a tua mão me levanta ! Nos teus braços puros como o sal , a minha voz bem ou mal , è sempre um pássaro que canta ! Um pássaro sim , Luís , uma suspensa e rápida sobre a cidade humana , insubmissa e inviolável como o coração do homem . Pablo acende na aurora nossa lâmpada marinha , enquanto a crisàlida rompe o milenário cárcere . . Há sò tu o resto è a indiferença recolho grão a grão os desperdícios da ganância
a uma pomba ( porque não branca ? )
no paio da tua infância
e hà sò tu tu ainda là estou
no mesmo sitio frio
à tua espera onde nos pegamos
fogo ao sentido último
da nossa vida ùnica
estranha mas linda
e se houver alguma dùvida
hà sò tu que semeaste
no meu silêncio
uma serena presença
e viràs à minha boca
de vez enquadrando
colher uma palavra
Há sò tu limito - me a um registo e sò não digo que meto para dentro um pranto porque isso está muito visto jà demasiado escrito e dito mas entretanto ah no entanto não alado mas ao lado ando a cavalo quando posso mesmo que me chames repetitivo prefiro continuar a perseguir o voo nu e universal de um melro a ficar eternamente sò a aflito .
E pelo reflexo da lua nas águas vais à linha do infinito vens corpo navegável sò de um fôlego mesmo no sitio onde o sol se pôs gritas e ouves um rouco eco desse meu coração vivo na tua voz há o esfregares - te em bronze nos jardins ternas raízes ah ternas corças dançam ninfas dos
teus olhos ao canto menina dos meus
MAQUINA DE HARMONIA Uma elegia , nunca , Sem descanso crescia Teu rosto de girassol . A lepra nunca tocou com a suas garras o seu rosto , selim da alegria, cujo voo não sabia a fome , derrota , saque mas à carne doce e ardente das mulheres . Como um dardo atravessava a multidão e escutavas o seu imenso clamor subterrâneo . Mergulhavas velozmente na noite e , à luz dos faróis , desentranhavas árvores , casas , povoações adormecidas . Subitamente um olhar relampejava nas esquinas , uma palavra , um grito varavam lès - a - lès a espessura das trevas em que viajavas inventando asas no cárcere , trombetas no silêncio . Assim te libertavas como quem ama ou respira , Assim crescias e te reproduzias sem cessar Guiavas em silêncio tua maquina de harmonia e sem descanso construías teu rosto , levantavas teu exercito de palavras couraçado de chamas invencìveis . RATO IMUNDO Um rato imundo cresce em cada sonho um rato imundo cresce em cada palavra devora o pão que comes a cama em que te deitas habita no que penso no que digo no que faço devora - nos os amigos o heroísmo que nos resta a flor na lapela a mão que entregamos confiantes Um rato imundo urina dejecta no meu sangue ròi o amor ròi a beleza suave do teu corpo navio do futuro Um rato imundo faz o ninho na cova do teu peito avança em teus nervos devora - te lentamente cérebro e coração caminha na tua insónia como um vento maldito Um rato imundo cresce multiplica - se na cidade propaga a peste o medo vigia - nos os passos caminha a nosso lado sem descanso Um rato imundo ròi a tua casa tuas ideias contamina teus filhos tua esperança e enquanto nos devora lentamente o rosto enche - nos a casa de excrementos
INESPERADAMENTE AMANHECES Suavemente , na líquida poeira que cobre a manhã , pousas em meu ombro o rosto iluminado . Teu hálito queima - me os cabelos que esbranquicem Acaso conheces ? Um rato imune roeu - me sonhos e palavras e devora - me sem descanso o rosto . Lírio de aço e sangue que teces a respiração e a morte , sè tu inesperadamente amanheces no subsolo das lágrimas De ti me alimento . Desfigurado , em ti habito e cresço como uma larva em seu casulo , relâmpago no fundo duma estrela congelada , Contigo povoo de peixes e anjos a cidade . Pedra a pedra , trave a trave , reedifico a formosura , reconstruo a alegria , cresço para o amor . Raivosamente cresço
deglutindo o áspero pão cotodiano . Assim te espero , inventando uma rosa , uma nuvem , um corpo de mulher para habitamos . Assim caminho para ti , anunciando uma bandeira desfraldada . uma seara , um rio , um país . Deslumbrando - me ergo e voo ao teu encontro , sol lírio da manhã .
CANÇÃO
Verde manhã ou alada
embarcação
sepulta na pàtria amada
teu coração .
Para que vivas e floresças
a longa espera ,
minério oculto que cresça
na primavera .
E surdo devore a raiva ,
voo de açor
que na amarga boca saiba
a chumbo em flor .
E seja a meio da treva
que tudo cobre
a aurora que nos leva
e redescobre .
Q ondulante assobio
no turvo medo ,
o alado sonho , um rio
neste degredo .
VIAGEM Um rio atravessa - nos o rosto lado a lado tùmido roxo assim somos astros sangrando sobre os ombros . Água espessa alimentícia cega em cada golpe reinicias a erupção da espécie a sombria beleza dos deuses Aqui estou quase sem rosto escondo os olhos nos teus olhos não me acuses olha - me olhos nos olhos célula a célula transportamos a morte a vida este relâmpago ágeis gazelas percorrendo sùbito a criação cabelo de pedra raízes calcinadas escuro pò arfam as narinas respirando os turvos céus abre - se o olhar para um planeta extinto dele emigramos num rastro de fogo e sangue despojados da placenta terrestre aqui afundamos de novo o rosto no ùtero materno
AQUI TE SONHO
Aqui aguardo , aguardarei
a tua vinda . Não demores .
Cresce na noite que me cobre .
Aqui te sonho e sonharei mesmo
quando por mim passares
e eu vergue ao peso
do teu hálito .
Aqui passado , presente
e futuro se cruzam e confundem
o tempo paira suspenso , ansioso
do rumor de teus passos
e eu sei que vais tocar - me
em breve de leve nos cabelos
que vais me atravessar - me
lado a lado .
ESTELA Da pedra dos tumultos e dos cárceres se podem fazer navios , uma canção que atravesse invencível a cidade : Ò fogo , sangue , fértil respiração da Liberdade !
Há também um corpo efémero um canto lento nu e sorrateiro a camisa branca esquecida desvairada no ramo da árvore não è o vento è o tempo a terra cospe - se a terra despe - se escrevo ao nível raso cru rente do fundo morde - me não ponho a fasquia là em cima no céu para depois mentir à estrela escrevo devagar à medida que a boca devolve a distância apalavrada mas fiel a escada não tem vão e não há vèu è tão visível degrau a degrau o sol a sol passo a passo a imensidão .
Há uma fùria das águas
há uma oração de mágoas
esqueci - me das palavras
a atè perdi a memória
abusei da linguagem
deixei que a buganvìlia
me invadissse a casa
o teu amor è uma brisa
que me impede a porta
e estoira com a janela
o cão lambe - me a lìngua
o gato sabe - me a pàtria
ò cèu è uma margem
o chão è uma imagem
e há o fim sò os valores que esperam aprendem a saber esperar pelos outros as pérolas sós amam no fim partem para o outro fim chegam ao meio com dignidade os homens são apenas a passagem do vácuo ao cheio o único principio o último atalho o primeiro refúgio o nosso amor sublinhado
há uma última palavra por engano
a de que estavas a espera de propósito
a que deixa o ambiente paradoxo
de saber que o bonito está certo
o tempo já perdoa os anos vão indo
claramente gastando o nosso
corpo qualquer soneto è vão mas
valente a forma como damos a volta
a isso
fiz do verbo haver um compromisso
de ser não tenho mais nada è sò isso
protejo a consciência o amor isento
Camões Pessoa tu e eu indiferente
da vida sò levo esta duvida parva
se ser à uma dádiva ou uma divida
há pouco tempo
apenas um corpo
mas è là dentro
que dura o universo
demora quem flor
homem ou mulher
o tempo è precoce
morre quem quer
o espaço do menino
iluminado vivo
se nasce de um sonho
por isso te olho
eterno o momento
há deus de molho
O que temo em ti não são as palavras è o desleixo com que derramas a penumbra a lassidez com que abrigas o silêncio o abandono com que partes sem deixar
No silêncio , as palavras que um corpo , hoje , fala noutro corpo
fala noutro corpo
Em mim vontade de ser corpo se corpo não fosse vontade já
Eram olhos fèrteis , por isso sem tempo
sem tempo
Convém - me o texto
o tempo è longo ,
breves as palavras
AZULEJO
Sò depois de te beijar
uma criança te pede um beijo
para distinguir a inocência do desejo
há o coração è o cão
preso por uma carícia
não sou eu que o prende
o cão è que me solta
gostava de suar tantos dias em branco
gostava de passar tantas noites contigo
a mercê da tua luz berma da minha sombra
gostava apenas de ter a certeza absoluta
de que a rota combinada è a nossa humana
gostava que a liberdade fosse o único mapa
uma onda séria a precaver ao sol a espuma
gostava que o ar fosse comum como a terra
de não ter tido a ideia mas usar da palavra
ou seja gostava de parir a lìngua paralela
gostava de encontrar no infinito a tua
ODE
Se estrelas e aves
puderem imagina - lo ,
deslumbradas fitaram
meu rosto , alada rosa
de carbono a madrugada .
há dois milhões de anos
Jesus do céu à terra
hoje ,
cavalgando meu sputnik de fogo ,
subo eu da terra ao céu
oh destino !
ah glória !
oh rio que não cessas a jornada ,
espécie triunfante !
fome e desejo são
meu alimento
maior que os deuses
meu destino è ir .
LEGENDA
Viajar
na fome, que me devora -
inventar asas no càrcer ,
trompetes no silêncio .
superar insectos e deuses
Um viver que è morrer a cada hora ,angústia
que è prazer , surda harmonia , todo o bem ,
todo o mal , dor , alegria , abutre e pomba ,
luz que me devora .
Prisão donde não quero ir - me embora ,
jardim de vidro negro , claro dia , cavalo
de fogo , ácido agonia , os infernos , os céus ,
o horizonte e o voo , a fuga , a súbita viagem .
Não conheço , não sei de outro país .
Ò meu amor , feliz ou infeliz , porque
me escondes minha própria imagem ?
Aquele que chamas noite e dia ,
com o teu sangue , com a tua voz
e a voz do vento , prisioneiro em
seu próprio sofrimento neste poço
de carne e agonia ;
aquele que tacteando busca o dia
de teu rosto chegando , flor no
tempo , e transforma seu áspero
tormento num cântico de amor
e alegria ;
e , cego , surdo e mudo , assim proclama
o seu amor , seu voo , viva chama que
irrompe a cada silaba que dizes :
vê - las - às , meu amor , enfim voltar
antes que chegue o fim , sùbito mar
coroado de sol e de raízes .
MAS GALOPAS
A galope
um cavaleiro atravessa a noite .
Inútil pergunta - lhe
o que levava , galopava .
À desfilada
atravessa noites , abismos , cidades ,
Não lhe perguntásseis de onde veio ,
aonde ia , galopava .
Furacão
vingador , arcanjo desencadeado
que resta do que foste ? jà não ès fogo
nem vento . Ès cinza , pò , Mas galopas .
Há sò tu já não canto
è um encanto ouvir um
pássaro e já não digo è tão
bonito ficares a olhar para a
tua esperança ès tu que
escreves sò tu me deixas
o que guardo no esconderijo
do meu ouvido
ès tudo o que faço e deixo
e há sò tu deixei de escrever
ainda não escrevo
jà là estava tudo quando peguei
nisso foi a mim que escapou
muito è sò em ti que está secreto
o tesouro o eco o musgo e o âmago
Há silêncios que nem supões
há uma idade em que os animais
que nos amam ou cremos que nos
amam ou queremos que nunca nos
perdoam o se a retribuição do amor
ou o reenvio da solidão
Há homens que suam fazem a barba
com as águas das chuvas ininterruptas
lavam os olhos às lágrimas continuas
acumuladas e dai as mulheres os amam
dai as mães os esperam dai são ingénuos
piegas os homens que não amam
Hà gaivotas em chamas
despenhando - se no mar
agarradas ao seu cio
voraz viril voador
pois o amor não se diz
e sò se faz o amor
Há sò tu dei - te o que não tinha
assistimos juntos à andorinha
desfiz - me em pedaços de ternura
quando a tua mão tocou a minha
quero là saber do eu
querer saber
de alguma coisa
parecida com a nossa
diferente da tua
a frase que aqui falta
è de vez em quando
se não te importas dares
pela minha falta
Há frutos profundos à superfície
já despidos na base de uma árvore
prontos a serem amados trago a trago
lapidam à nossa fonte de amor em bruto
devolvem o diamante à pedra dentro
sabem que vão podando à nossa frente
a amizade como uma arte por instinto
e hà ainda uma terra por enquanto
Hà poucos homens
com olhos de cães
profundos infantis
olhos livres os teus
cheios de plena voz
olhos livres os meus
silenciosos de nòs
Sem comentários:
Enviar um comentário