sábado, 12 de novembro de 2016

Antes de Ti o Vácuo , a Desolação as não existència




ANTES DE TI O VÁCUO , A DESOLAÇÃO
A NÁO EXISTÊNCIA .

( Não exagero , querida , falo - te
   quase sem palavras , sepultado
 no silêncio e na treva deste cárcere ;
  e canto nossa humana condição ) .


Em ti existo , em ti me encontro ,
em ti espero , hoje como ontem
e amanhã , inexoravelmente .

Rebenta , ò árvore abandonada
no inverno do áspero caminho !

Canta , ``o ave intranquila do paul ,
teu sonho de planície !

Tu ès o tempo , amor ; em ti a minha
inteira condição , minha miséria e grandeza .
minha humanidade plena , em ti minha dignidade .

Ò sopro , ò renovação incessante , pura e veemente
como o aço  , a raiva a doçura do nosso desejo !

Em ti a suavidade , a força , a medida exacta ,
a palavra uma vez dita !
Em ti a Arquitectura perfeita , a musica
perfeita , a harmonia das cores e dos volumes :
em ti a poesia , a fecundidade .




Dadiva


DADIVA



Se è somente em teu rosto que verei
nascer um dia a madrugada , porque serà
que nunca te direi as palavras que precisamente
guardo para ti ? Contigo sò sou capaz de falar
do tempo , das aves ,  de qualquer coisa inútil ,de tudo , menos de amor .
E nada te peço , e  nada te ofereço senão esta casa iluminada , este navio no mar .



AVE SOLAR


È nas trevas e no silêncio  destes tempos
que colho estas pequena , oculta semente ,
seara  verde , girassol de outro incriado
ainda mas jà visível e presentes
là onde mais puros somos queridos .


O que nos leva è indestrutível , esta semente colhia
junto aos nossos mortos , nas batalhas caídos ; colhi - a ,
querida , nos cárceres e nas aculèos .


E verás um dia , querida , como è fecunda
e maravilhosa ;
nela dormem os navios , os mares , os
homens coroados de espigas : nela abre as
asas a ave solar a sua esperança .


Por isso a guardo onde nem os horrores
nem as chamas dos nossos infernos
o poderão destruir ; è a pureza
dos teus seios incompatíveis
amamentando esta criança , que
 tranquilamente a semeio .



A teu lado



A teu lado , amor
não há muros , silêncio , morte .


Por cada espinho de aço cravado
em nossa carne , hà um rio de sangue
e primavera .

Por cada bofetada , ,
um sorriso de criança

Por cada insulto ,
por cada punhalada ,
uma seara , uma estrela , uma cidade


INSCRIÇÃO



Àqueles que para te vencer pulverizaram
a tua carne o teu último reduto grita - lhes que o
 centro do último átomo resistes esperas a primavera .


DOMINGO

                                                                                                                                       A MINHA MÃE


Deslizo no asfalto sob o sol da manhã .
Là em baixo o rio è uma cobra imensa
de água : cheios de sonho e ansiedade ,
esquecidos e serenos , os pescadores
de domingo e estão atentos e pacientemente
esperam que do lodo surjam  os peixes impossíveis  .


Deixai - me na paz desta manhã tão clara , com os trigos
a rebentar da terra e aquela água dando de mamar
ao seu potro inquieto e sedento de uma vida plena  ,
verdadeiramente plena , sem análise , sem tortura :
ela mesmo , incessantemente humilhada e triunfante .
Por isso , estes torcidos galhos , onde de novo rebentam
as folhas e flores , raspam - me de leve os cabelos e suavemente
( poderosamente ) dizem aos homens atònitos que no asfalto deslizam :
Bom dia !


Um sardão de ventre azul  dorme ao sol na berma da estrada :
Bom dia !
Deslizo no asfalto : deixai - me nesta paz , ah , que ninguém
me roube este momento ! Bem que há gritos e sofrimentos
em toda a parte : ah , por um momento sò !
ou seja o rodar apenas da minha bicicleta .


Roda , bicicleta , roda debaixo dos dardos de ouro
deste sol erguido a toda a minha grandeza e miséria ,
complemento - me , O que fiz ? Onde o que ambicionei ?


Quase sem vigor a árvore cresce num solo ingrato
em seus torcidos galhos
já não possam as aves .
Vamos minha bicicleta , voemos
por entre tanta grandeza malograda ,
voemos na brisa deste momento .
A meu lado voa a minha sombra ,
companheira inseparável e silenciosa
das alegrias e angústia silenciosa .

Là em baixo  o rio e os barcos , là em baixo os peixes
e os que a linha , julgam poder liberta - los
  Adeus amigos !
Olhai como o sol esplendece nos rails da minha bicicleta ,
e como esta aragem  è perfumada , Deslizo veloz mente no asfalto
deslizo , ergo - me no tempo , plenamente desperto no sonho , vou firme
nas rédeas .
Tanta coisa mesquinha , tanta baixeza e tanto desespero
que as vezes os peixes saltam do seu aquadrilho .
E tanta coisa quotidiana simples
como esta rapariguinha pondo uma flor
nos seus cabelos cor de palha ,
Tanta coisa simples e transparente como este pequenino coração
palpitante de ilusões  ! Despido de todos véus .

Boa sorte , rapariguinha ! Na vida , por certo , nada encontrarás
de tão belo como esta hora ; eu e tu ; mas sigamos nossos
imprevisíveis caminhos aqui um momento cruzados , e quem
sabe ?

Pudesse eu parar - te este momento , eternizar - te este segundo
que não mais voltará ! Ah , tivesse o tempo parado
quando o adolescente que eu era sentiu também o seu descuidado coração
arfar de felicidade ! tivesse o pequenino peixe transparente
saltado a menos do seu aquário !

Agora , a deslizar na minha bicicleta , como tudo è suave ,
como tudo è suavemente desesperado e sem remédio !

Là em baixo , anónimos esquecidos , os pescadores de domingo
esperam talvez por um tempo impossível em que os peixes todos
do mundo cobertos de lodo e ânsia como o poeta , saltarão do seu
aquário , enfim livres da sua prisão de cristal , enfim livres e aniquilados !



VERSOS NOMES


No chumbo , no terror , na morte , com sangue escrevo ,
Alfredo e Catarina ,
vossos nomes .


Na pedra , no ácido , neste muro branco escrevo
Humberto e Miltão ,
vossos nomes .

Nas trevas , no medo , na raiz da aurora , escrevo ,
Maria e Lourenço ,
vossos nomes .


No sonho , nos ventos , na flor do trigo  escrevo ,
Álvaro e Rui ,
vossos nomes ,


No amor na cólera , na fome desta  ave escrevo ,
Virgínia e António ,
vossos nomes .


No sol    que levamos , na verde esperança escrevo ,
Paula e Diniz ,
vossos nomes .


No riso , nas lágrimas , no coração da pedra
escrevo e semeio
vossos nomes .


No ventre em flor  da minha amada semeio , escrevo
e multiplico
vossos nomes ..



NO SILÊNCIO


No silêncio
construamos , amor
nossa morada .


Na pedra , na água , no relâmpago ,
no canto desta ave ,,


Na angústia , no sangue , na morte e na vida ,
na esperança em flor
desta seara .


Nos ares , nos céus , nas mais impuras palavras ,
na sede , na fome ,
nesta baioneta ,
nesta espingarda .


Na chuva e no vento , na relva , na manhã
que nasce com este menino ,


No sol e nas florestas , nas nuvens , nos rios e na inocência
deste peixe ,
deste insecto .


Neste frio e no fogo , no amor e na ansiedade , no voo
deste pombo branco .


No silêncio , meu amor ,
no silêncio
e no terror
com um abutre de raiva
entre os dentes .


Com um pombo branco
no coração .



CANÇÃO


Na fome verde desta seara roxa
passeava sorridente Catarina .
Na fome verde das searas roxas
ai a papoila cresceu nas campinas !


Na fome roxa das searas negras
que levas , Catarina , em tua fonte ?
Na fome roxa das searas negras
ai devoravam corvos o horizonte !


Na fome negra  das searas rubras
ai da papoila , ai de Catarina !
Na fome negra das searas rubras
trinta balas gritaram na campina .

Trinta balas
te mataram a fome , Catarina .



VIAJA - ME


Pura ou impura
pouco importa isso
simplesmente humana
súbita  árvore
de seios desejos
de angustia coberta
de insultos raiva
a cada instante
mores renasces
voo


Com o teu olhar
punhal acerado
cravado no vento
da nossa loucura
com tuas pequenas
sedosas mãos
esmagando insectos
flores venenosas
com teus lábios
ardentes de febre
colado aos lábios
frios da morte
caminhos relâmpago
nas trevas .


Ignorante sábia
de que te busco
louco e cego
espermatozóide
viajando rápido
os secretos caminhos
uma vez mais .


A cada instante
morres renasces
no sangue na voz
no desespero
com que te chamo
e me respondes
ignorante sábia
visível secreta
pura impura
abres - te dâs - me
os infernos os céus
e virgem me dizes
Viaja - me relâmpago
uma vez mais




O POETA


Seara e nuvem , barco e melodia
no coração das feras e das aves ,
trazes a aurora em tuas mãos suaves
abrindo a noite  , barco e melodia


Lírio solar , estrada e cotovia
jamais sonhada pelas próprias
aves , a morte e a vida , a porta e as chaves
 em ti se confunde e anuncia .


Sonharam - te os abismos e os morcegos
volvem  se em arcanjos e vêm , cegos
quando os fitas , pousar na tua mão .

Sò em ti a beleza encontra forma -


Cantas ? e logo a noite se transforma
no dia que levava a criação

A CRISÀLIDA

Não te perguntei se alguma vez esperaste
minhas palavras , meu navio , este vento ardente .

Reclino o meu rosto na madrugada que nasce
incendiada em teus olhos quando me fitas
e na dor e no silêncio , as malhas teço com
que me sepulto .


Por quê tanto muro , tão espantosas muralhas
a separar - nos ?

Na vida , na morte , onde eu estiver estarás comigo ,
e o resto não será mais , verás , que maravilhoso 
bicho esperando a ( primavera ? )
em seu casulo .


Três sonetos


Esquecerás , amor , a minha face ,
meu cavalo de fogo , meu navio ,
e arderás no lume que perpasse
na angústia sepultada de cada rio ?


Ver - te - ei louca e pura , dizer :
« Dà - se  um cavalo de fogo e um navio
a quem me recordar a sua face »
- mas não mas me acharás no longo do rio ?


Estrada sem memória no areal ,
frase uma vez dita , ou bem ou mal ,
em mim a porta em ti a chave.

Toma - a ... E abre ou fecha a porta ardente
de vez ... quero saber se esta semente
ainda será vento , flor ou ave !

Um viver que è morrer a cada hora ,
angústia que è prazer , surda harmonia ,
todo o bem , todo o mal , dor , alegria ,
abutre a pomba , luz que me devora .


Prisão donde não quero ir embora ,
jardim de vidro negro , claro dia ,
cavalo de fogo , ácido agonia ,
os infernos , os céus , barco na aurora .


Aqui somente a sede ardente e a fonte
para mata - la , aqui céus , horizonte
e voo a fuga , a súbita viagem .

NÃO CONHEÇO , NÃO SEI DE OUTRO PAÍS .
Ò meu amor , feliz ou infeliz ,
por que me escondes minha própria imagem ?


Aquele por quem chamas noite e dia ,
com o teu sangue , tua voz  e a voz
do vento , prisioneiro em seu próprio
sofrimento neste poço de carne e agonia .

aquele que tacteando busca o dia
de teu rosto chegando , flor no tempo ,
e transforma seu áspero tormento num
cântico de amor e alegria ;

e cego ,surdo e mudo assim proclama
o seu amor , seu voo  , a viva chama
que irrompe a  cada sílaba que dizes :

vê - los - às , meu amor , enfim voltar
antes que chegue o fim , sùbito mar 
coroado de sol e raízes


VELOZES VELOZES

Na noite assombrada
de ver - nos passar


Velozes velozes


Voamos ? Fugíamos ?
Onde o que fomos ?


Mãos no volante
a estrada fende - se
em nàcar e luz
voando connosco

Velozes  velozes

Onde a cidade ? Onde
o néon a fingir
de sol e os deuses
de autoclismo


O massacre legal
de nossa pureza
a monstruosa face
de aço construída
e fome autêntica
de peixes e anjos ?


Velozes velozes


Voa  Austin voa com
o teu verde cavalo
de clinas em fogo
na treva arroja - te
e connosco transpõe
sùbito o abismo


E velozes velozes
fitando deslumbrados
o sucedâneo
dum outro paraíso

éramos dois peixes
éramos dois anjos


HERANÇA


Que rosa  vermelha entre loureiro
há ressuscitado ?
A pè , companheiros ,
que os  mortos estão de pè ao nosso lado .


Roxos de fome , angústia , sede e morte
na solidão :
nada nos importe
senão a aurora que levamos no coração

Que nos arranquem lìngua , veias , olhos , nervos ,
a pele que reste .
Não è de servos
o relâmpago espantoso que nos veste !


ALADO ROSTO


Eis 
a estrada o rio
a noite a aurora
o vórtice negro a corola
de sangue e a madrugada


Caminho
há dois milhões de anos
sou eu próprio
o mar
e navio


Atravesso lado a lado
montanhas planícies
insaciável viajo
na fome no lume
que me devora


sobre os ombros sangrentos
abrem - se meus dois rostos

na única cabeça
o alado emerge
simétrico feroz


sua contradição
inimigo e irmão


devorando - se renascendo
anjos e demónios


caminho a dois milhões de anos
oh glória
oh destino


busco a alvorada
as faldas da manhã



viajo
na fome no lume que me devora





OS COMPANHEIROS NA MANHÃ


Na manhã de maio ,
duas andorinhas esvoaçam por cima dos eléctricos ,
logo se perdem no azul , logo regressam
a beijar os fios telefónicos




Chilrem    alegremente
no coração dos homens
apressados demais para as verem ,


silenciosos e ardentes cantam
no coração da manhã .



Choveu ao amanhecer , o asfalto
è um espelho sob os dardos
do sol ,


um menino passa com um balão colorido
ao lado de sua mãe .



Submersa na manhã , viajam
flores rebites , palavras


e cobertas de fome e solidão
viajam na manhã , ardentes e nuas ,


as mulheres todas elas prometendo ,

puras ou degredadas ,

a renovação dos céus
dos infernos ,
o sùbito desencadear da criação !



DENISE
Tem mil rostos como o Poeta ,
e ao sorrir - lhe , ao erguer -* se
da mais secreta e remota treva

para sorrir - lhe , Denise
è a outra  metade da realidade ,


a outra metade do sonho , o barco
e a viagem .


A moça dos óculos verdes e saia rodada
passou entre as mesas , depois sentou - se ,
traçou a perna e lançou - me um
punhal de labaredas .


Oh  a pura imagem do barco ,
a súbita face da viagem !

Insólita , uma voz quebrou a ardente
teia maravilhosa ; perguntava :


- Café ?
- Sim , um café .
E abri o jornal .




CONTINUAM  AS  EXPLOSÕES  NUCLEARES  INGLESAS
REPRESSÃO DAS ACTIVIDADES SUBVERSIVAS NA
JORDÂNIA CAMPEONATO INTERNACIONAL DAS RÃES
SALTADORAS CRISE MINISTERIAL FRANCESA
LINDBERG ATRAVESSOU O ATLÂNTICO A UM SÈCULO



Solitário e insole
escrevo um poema de esperança



Minha amada ri com o seu ar de bonançoso ,
com todo o teu corpo mole de uma grande menina

e o seu sorriso è franco e claro
como o sol da manhã .


Ri , simples e natural como uma adolescente


por isso seus versos de esperança
vem carregado de solidão , insónia
e áspero espinho .

A poesia esta desperta , amigos !


Viaja nos fios  , nos pacotes proibidos ,

viaja na fome , no desespero , na vingança ,

atravessa ares e mares , vara

lès a lês
a cerração .


Ah , como a tua mão me levanta !
Nos teus braços puros como o sal ,
a minha voz bem ou mal , è
sempre um pássaro que canta !


Um pássaro sim , Luís ,
uma suspensa e rápida sobre a cidade humana ,
insubmissa e inviolável
como o coração do homem .


Pablo
acende na aurora
nossa lâmpada marinha , 
enquanto a crisàlida rompe
o milenário cárcere . .




Há sò tu o resto è a indiferença
recolho grão a grão
os desperdícios da ganância
a uma pomba ( porque não branca ? )
no paio da tua infância


e hà sò tu tu ainda là estou
no mesmo sitio frio
à tua espera onde nos pegamos
fogo ao sentido último
da nossa vida ùnica
estranha mas linda


e se houver alguma dùvida
hà sò tu que semeaste
no meu silêncio
uma serena presença
e viràs à minha boca
de vez enquadrando
colher uma palavra





Há sò tu limito - me a um registo
e sò não digo que meto para dentro
um pranto porque isso está muito visto
jà demasiado escrito e dito


mas entretanto ah no entanto
não alado mas ao lado

ando a cavalo quando posso
mesmo que me chames repetitivo
prefiro continuar a perseguir o voo
nu e universal de um melro
a ficar eternamente sò a aflito .














E pelo reflexo da lua
nas águas vais à linha do 
infinito vens corpo navegável
sò de um fôlego mesmo no
sitio onde o sol se pôs
gritas e ouves um rouco eco
desse meu coração vivo na tua
voz há o esfregares - te em bronze


nos jardins ternas raízes
 ah ternas corças dançam ninfas dos 
teus olhos
 ao canto menina dos meus 








MAQUINA  DE HARMONIA

Uma elegia , nunca , Sem descanso crescia
Teu rosto de girassol . A lepra nunca
tocou com a suas garras o seu rosto , selim
da alegria, cujo voo não sabia a fome ,

derrota  , saque mas à carne doce e ardente

das  mulheres . Como um dardo atravessava a multidão
e escutavas o seu imenso clamor subterrâneo .

Mergulhavas velozmente na noite e , à luz dos faróis ,
desentranhavas árvores , casas , povoações adormecidas .

Subitamente um olhar relampejava nas esquinas , uma palavra ,
um grito varavam lès - a - lès a espessura das trevas

em que viajavas inventando asas no cárcere , trombetas no silêncio .

Assim te libertavas como quem ama ou respira ,
Assim crescias e te reproduzias sem cessar

Guiavas em silêncio tua  maquina de harmonia
e sem descanso construías teu rosto , levantavas

teu exercito de palavras couraçado de chamas
invencìveis .



RATO  IMUNDO



Um rato imundo cresce
em cada sonho
um rato imundo cresce
em cada palavra


devora o pão que comes
a cama em que te deitas


habita no que penso
no que digo no que faço

devora -  nos os amigos
o heroísmo que nos resta
a flor na lapela a mão
que entregamos confiantes

Um rato imundo  urina
dejecta no meu sangue

ròi o amor ròi a beleza
suave do teu corpo
navio do futuro

Um rato imundo faz
o ninho na cova do teu peito


avança em teus nervos
devora - te lentamente
cérebro e coração
caminha na tua insónia
como um vento maldito

Um rato imundo cresce
multiplica - se na cidade
propaga a peste o medo

vigia - nos os passos caminha
a nosso lado sem descanso

Um rato imundo ròi
a tua casa tuas ideias
contamina teus filhos tua esperança




e enquanto
nos devora  lentamente
o rosto
enche - nos a casa de excrementos





INESPERADAMENTE  AMANHECES







Suavemente ,
na líquida poeira que cobre a  manhã , pousas em meu 

ombro o rosto iluminado . Teu hálito
queima - me os cabelos que esbranquicem

Acaso conheces ? Um rato imune roeu - me
sonhos e palavras
e devora - me sem descanso o rosto .

Lírio de aço  e sangue
que teces a respiração e a morte ,
sè tu inesperadamente amanheces
no subsolo das lágrimas

De ti me alimento . Desfigurado ,
em ti habito e cresço como uma larva
em seu casulo , relâmpago no fundo
duma estrela congelada , Contigo povoo
de peixes e anjos a cidade .


Pedra a pedra , trave a trave ,
reedifico a formosura ,
reconstruo  a alegria ,
cresço para o amor . Raivosamente cresço

deglutindo o áspero pão cotodiano .

Assim te espero , inventando
uma rosa , uma nuvem , um corpo de mulher
para habitamos .
Assim caminho para ti , anunciando uma bandeira desfraldada .
uma seara , um rio , um país .


Deslumbrando - me ergo e voo ao teu encontro ,
sol lírio da manhã .










CANÇÃO


Verde  manhã ou alada
embarcação
sepulta na pàtria amada
teu coração .


Para que vivas e floresças
a longa espera ,
minério oculto que cresça
na primavera .


E surdo devore a raiva ,
voo de açor
que na amarga boca saiba 
a chumbo em flor .

E seja a meio da treva
que tudo cobre
a aurora que nos leva
e redescobre .

Q ondulante assobio
no turvo medo ,
o alado sonho , um rio
neste degredo .








VIAGEM


Um rio atravessa -  nos o rosto
lado a lado tùmido roxo
assim somos astros sangrando
sobre os ombros .


Água espessa alimentícia cega
em cada golpe reinicias
a erupção da espécie a sombria
beleza dos deuses

Aqui estou quase sem rosto
escondo os olhos
nos teus olhos não me
acuses olha - me olhos nos olhos


célula a célula transportamos
a morte a vida este relâmpago
ágeis gazelas percorrendo
sùbito a criação

cabelo de pedra raízes
calcinadas escuro pò
arfam as narinas respirando
os turvos céus abre - se o olhar
para um planeta extinto

dele emigramos num rastro
de fogo e sangue despojados
da placenta terrestre
aqui afundamos  de novo o rosto
no ùtero materno 










AQUI TE SONHO


Aqui aguardo , aguardarei
a tua vinda . Não demores .
Cresce na noite que me cobre .
Aqui te sonho e sonharei mesmo
quando por mim passares
e eu vergue ao peso
do teu hálito .
Aqui passado , presente
e futuro se cruzam e confundem

o tempo paira suspenso , ansioso
do rumor de teus passos 

e eu sei que vais tocar - me
em breve de leve nos cabelos

que vais me atravessar - me
lado a lado .










ESTELA

Da pedra dos tumultos
e dos cárceres se podem
fazer navios , uma canção
que atravesse invencível
 a cidade :

Ò  fogo , sangue , fértil respiração
   da Liberdade !





Há também  um corpo efémero
um canto lento nu e sorrateiro
a camisa branca esquecida desvairada
no ramo da árvore

não è o vento è o tempo
a terra cospe - se a terra despe - se
escrevo ao nível raso cru


rente do fundo morde - me não ponho
a fasquia là em cima no céu para depois
mentir à estrela escrevo devagar à medida
que a boca devolve a distância apalavrada mas fiel
a escada não tem vão e não há vèu è tão
visível degrau a degrau o sol a sol passo a passo
a imensidão .












Há uma fùria das águas
há uma oração de mágoas
esqueci - me das palavras
a atè perdi a memória
abusei da linguagem
deixei que a buganvìlia
me invadissse a casa
o teu amor è uma brisa
que me impede a porta
e estoira com a janela
o cão lambe - me a lìngua
o gato sabe - me a pàtria
ò cèu è uma margem
o chão è uma imagem 







e há o fim

sò os valores
que esperam
aprendem 
a saber esperar
pelos outros
as pérolas sós
amam no fim
partem para 
o outro fim
chegam ao meio
com dignidade
os homens são apenas
a passagem do vácuo
ao cheio o único
principio o último atalho
o primeiro refúgio
o nosso amor
sublinhado









há uma última palavra por engano
a de que estavas a espera de propósito
a que deixa o ambiente paradoxo
de saber que o bonito está certo

o tempo já perdoa os anos vão indo
claramente gastando o nosso
corpo qualquer soneto è vão mas
valente a forma como damos a volta
a isso


fiz do verbo haver um compromisso
de ser não tenho mais nada è sò isso
protejo a consciência o amor isento


Camões Pessoa tu e eu indiferente
da vida sò levo esta duvida parva
se ser à uma dádiva ou uma divida










há pouco tempo
apenas um corpo
mas è là dentro
que dura o universo


demora quem flor
homem ou mulher
o tempo è precoce
morre quem quer

o espaço do menino
iluminado vivo
se nasce de um sonho

por isso te olho
eterno o momento
há deus de molho








O  que temo em ti não são as palavras

è o desleixo com que derramas a
penumbra a lassidez com que abrigas
o silêncio o abandono com que partes
sem deixar



No silêncio , as palavras
que um corpo , hoje ,
fala noutro corpo


fala  noutro corpo








Em mim 

vontade de ser corpo
se corpo
não fosse vontade já






Eram olhos

fèrteis , por isso
sem tempo
sem tempo






















 




























Convém - me o texto
o tempo è longo ,
breves as palavras














AZULEJO

Sò depois de te beijar
uma criança te pede um beijo
para distinguir a inocência do desejo




















há o coração è o cão
preso por uma carícia
não sou eu que o prende
o cão è que me solta










gostava de suar tantos dias em branco
gostava de passar tantas noites contigo
a mercê da tua luz berma da minha sombra
gostava apenas de ter a certeza absoluta
de que a rota combinada è a nossa humana
gostava que a liberdade fosse o único mapa
uma onda séria a precaver ao sol a espuma
gostava que o ar fosse comum como a terra


de não ter tido a ideia mas usar da palavra
ou seja gostava de parir a lìngua paralela
gostava de encontrar no infinito a tua



















ODE

Se estrelas e aves
puderem imagina - lo ,
deslumbradas fitaram
meu rosto , alada rosa
de carbono a madrugada .

há dois milhões de anos
Jesus do céu à terra
hoje ,
cavalgando meu sputnik de fogo ,
subo eu da terra ao céu

oh destino !
ah glória !
oh rio que não cessas a jornada ,
espécie triunfante !

fome e desejo são
 meu alimento
maior que os deuses
meu destino è ir .





















LEGENDA

Viajar
na fome, que me devora -
inventar asas no càrcer ,
trompetes no silêncio .
superar insectos e deuses




































Um viver que è morrer a cada hora ,angústia
que è prazer , surda harmonia , todo o bem ,
todo o mal , dor , alegria , abutre e pomba ,
luz que me devora .


Prisão donde não quero ir - me embora ,
jardim de vidro negro , claro dia , cavalo
de fogo , ácido agonia , os infernos , os céus ,
o horizonte e o voo , a fuga , a súbita viagem .


Não conheço , não sei de outro país .
Ò meu amor , feliz ou infeliz , porque
me escondes minha própria  imagem ?





Aquele que chamas noite e dia ,
com o teu sangue , com a tua voz
e a voz do vento , prisioneiro em
 seu próprio sofrimento neste poço
de carne e agonia ;

aquele que tacteando busca o dia
de teu rosto chegando , flor no
tempo , e transforma seu áspero
 tormento  num cântico de amor
e alegria ;

e , cego , surdo e mudo , assim proclama
o seu amor , seu voo , viva chama que
irrompe a cada silaba que dizes :

vê - las - às  , meu amor , enfim voltar
antes que chegue o fim , sùbito mar
coroado de sol e de raízes .





MAS GALOPAS

A galope
um cavaleiro atravessa a noite .
Inútil pergunta - lhe
o que levava , galopava .


À desfilada
atravessa noites , abismos , cidades ,

Não lhe  perguntásseis de onde veio ,
aonde ia , galopava .

Furacão
vingador , arcanjo desencadeado
que resta do que foste ? jà não ès fogo
nem vento . Ès cinza , pò  , Mas galopas .



























Há sò tu já não  canto
è um encanto ouvir um
pássaro e já não digo è tão
bonito ficares a olhar para a
tua esperança ès tu que
 escreves sò tu me deixas
o que guardo no esconderijo

do meu ouvido
ès tudo o que faço e deixo

e há sò tu deixei de escrever
ainda não escrevo
jà là estava tudo quando peguei
nisso  foi a mim que escapou
muito è sò em ti que está  secreto
o tesouro o eco o musgo e o âmago





Há silêncios que nem supões
há uma idade em que os animais
que nos amam ou cremos que nos
amam ou queremos que nunca nos
perdoam o se a retribuição  do amor
 ou o reenvio da solidão

Há homens que suam fazem a barba
 com as águas das chuvas ininterruptas
lavam os olhos às lágrimas continuas
acumuladas e dai as mulheres os amam
dai as mães   os esperam dai são ingénuos
piegas os homens que não amam

Hà gaivotas em chamas
despenhando - se no mar
agarradas ao seu cio
voraz viril voador
pois o amor não se diz
e sò se faz o amor

































Há sò tu dei - te o que não tinha
assistimos juntos à andorinha
desfiz - me em pedaços de ternura
quando a tua mão tocou a minha

quero là saber do eu
querer saber
de alguma coisa
parecida com a nossa
diferente da tua

a frase que aqui falta
è de vez em quando
se não te importas dares
pela minha falta





















Há frutos profundos à superfície
já despidos na base de uma árvore
prontos a serem amados trago a trago
lapidam à nossa fonte de amor em bruto
devolvem o diamante à pedra dentro
sabem que vão podando à nossa frente
a amizade como uma arte por instinto
e hà ainda uma terra por enquanto


Hà poucos  homens
com olhos de cães
profundos infantis
olhos livres os teus
cheios de plena voz
olhos livres os meus
silenciosos de nòs

olhos livres os nossos
deslumbrados moços

olhos férteis e fartos
devolvidos aos ossos

aves rapazes leves
rentes a
às mulheres

olhos àgeis vorazes
hùmidos generosos
*avidos humildes .
















OS CICLISTAS

Na noite do teu país
amanheces , rosto puro .
è uma asa a liberdade
voas nela no futuro .

Voas nela como o sopro
que trazes no coração
como o fogo , como a tua ira
como sua voz de trovão ,
latitude a latitude .

E uma asa a liberdade ,
voas nela , juventude ,
voas nela , furacão .










 .



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